"O juiz dito de paz". A magistratura local no jogo político da corte imperial (1829 - 1841)

Abstract

A partir do processo de Independência do Brasil, uma série de reformas institucionais foi ensejada, especialmente no âmbito da Justiça. Nesse sentido, como determinava a Constituição do Império de 1824, em 15 de outubro de 1827 o instituto da Justiça de Paz foi finalmente criado, no intuito de tornar mais célere e efetivo o acesso do cidadão à Justiça. Somente em 1829, porém, as primeiras eleições para a magistratura de paz aconteceram no município do Rio de Janeiro. De todo modo, foi a partir da criação do Código do Processo Criminal de 1832, que atribuiu novas funções e poderes aos juízes eletivos, que as divergências entre os grupos políticos sobre o dito “excesso de autonomia” desse agente público se intensificaram, fomentando os argumentos pela reforma do Código do Processo, que aconteceria em 1841. O objetivo deste trabalho é compreender como e sob quais interesses atuaram os juízes de paz da cidade do Rio de Janeiro. As principais fontes utilizadas para esse mapeamento foram as publicações dos editais da Câmara Municipal e das chapas eleitorais, divulgadas nos jornais fluminenses, e os livros das atas eleitorais localizados no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. A documentação da Secretaria de Polícia da Corte e os Instrumentos de Justiça custodiados pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro perfazem parte importante do arcabouço documental utilizado neste trabalho. Com efeito, a identificação dos indivíduos escolhidos para ocupar o cargo na cidade a partir dessa documentação foi essencial, pois o mapeamento do perfil e a trajetória desses agentes públicos revelaram uma rede de relações e defesa de interesses que contribuiu para esclarecer por que sujeitos com posição social e poder econômico — a construção do perfil prosopográfico revelou que a maioria dos juízes eram proprietários — aceitaram ocupar a função de magistrado leigo. É sabido, por exemplo, que alguns desses sujeitos tinham alinhamentos com as facções políticas que promoviam as manifestações de rua na cidade-Corte, o que denota, em parte, a motivação de certas escolhas que pautavam suas ações à frente da Justiça de Paz. Ademais, a pesquisa revelou uma intricada relação entre traficantes negreiros e a Justiça de Paz na Regência, além de uma estratégica trajetória de poder que se estabelece desde a ocupação de cargos na Câmara Municipal do Rio de Janeiro até a ascensão ao cargo da magistratura eletiva na cidade-Corte. A propósito, as eleições municipais compreendidas no período de 1829 a 1840 perfazem o eixo norteador desta pesquisa, pois, além de revelarem os cidadãos escolhidos para o cargo, trouxeram à baila o incipiente, mas potente, exercício de cidadania dos votantes.