O futuro chega sempre antes nos campos do cerrado construção da hegemonia e estratégias discursivas do bloco dos baiúchos – uma análise política do discurso no oeste da Bahia (2008-2022).

Abstract

Com o aporte da Teoria do Discurso e da metodologia da Análise dos Marcos Interpretativos, esta tese propõe analisar a articulação de estratégias discursivas do bloco dos “baiúchos” (a aliança entre o Estado e atores do agronegócio “baianos” + “gaúchos”) no Oeste da Bahia, para a construção de sua hegemonia, no período entre 2008 e 2022. Rico em nascentes, Veredas e cachoeiras exuberantes, o Cerrado baiano historicamente foi ocupado por comunidades tradicionais cujo modo de vida é dependente da convivência com essas águas para a sua (r)existência e manutenção de sistemas tradicionais de extração de frutas nativas e da solta do gado nas extensas áreas de uso comum: os Gerais. A chegada da revolução verde na região, em fins dos anos 1970, deu início a uma profunda reconfiguração agrária, social, cultural e ambiental, acompanhada de crimes e violências, como grilagem de terras, expulsões e assassinatos. Contudo, é no século XXI que os Gerais e sua população experimentam com mais intensidade o avassalador processo de desterritorialização e degradação socioambiental, como morte de nascentes, diminuição e envenenamento das águas dos rios, ameaças e novas formas de grilagem, com a substancial legalização do desmatamento e da retirada das águas, incentivada pelo Estado, visando à ampliação da fronteira agrícola do Matopiba. Considerando que esses processos jamais ocorreram sem a reação das populações impactadas, observa-se a exacerbação dos conflitos em curso, em que a água passa cada vez mais a se configurar como elemento central, já que é este o “recurso” natural que permite multiplicar o lucro do agronegócio. Assim, a tese se divide em seis capítulos que se enveredam, inicialmente, pelo diálogo entre os referenciais teóricos sobre os quais estão estruturadas as análises, para depois percorrer um extenso enredo, que parte desde a conformação do bloco histórico e atravessa uma narrativa de suas estratégias discursivas empregadas para a construção da hegemonia, marcadas por quatro momentos. No primeiro momento, as estratégias estão articuladas em torno da demanda pela flexibilização da legislação ambiental, consubstanciada na aprovação do Novo Código Florestal Brasileiro. No segundo, transitamos pela criação do Matopiba, o golpe de 2016 e a crescente apropriação das águas da região, que acabam culminando no levante do rio Arrojado, em Correntina, em novembro de 2017. O terceiro momento é delimitado pela rearticulação discursiva do bloco dos baiúchos pós-conflito, em que se observa a ampliação de suas estratégias discursivas até 2018. Por fim, examinamos como as estratégias discursivas dos baiúchos são rearticuladas no governo Bolsonaro (2019-2022) e no último mandato de Rui Costa, na Bahia. Os achados da pesquisa apontam para a capacidade do bloco dos baiúchos de se tornar hegemônico na medida em que consegue fixar significações em torno de pontos nodais “ambientalistas” e logra êxito em articular suas demandas à identidade de “quem mais preserva o meio ambiente”, principalmente por meio de estratégias de intervenções educativas junto a comunidades tradicionais de Fecho de Pasto e de sua habilidade de converter o desmatamento e a apropriação das águas em política de Estado.