'Comer é um ato político”: o movimento dos pequenos agricultores (MPA) e a politização do consumo.

Abstract

A partir dos anos 2000, observa-se a presença nas bandeiras de luta de diversos movimentos sociais do campo de uma profusão de novos bordões, tais como “alimentação saudável como parte da garantia à soberania alimentar”, “comida de verdade no campo e na cidade” e “comer é um ato político”. As temáticas da alimentação, da comida e do comer passaram a ocupar o núcleo da estratégia de ação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que se reposiciona pela defesa de uma agricultura camponesa que produz alimentos saudáveis e pela construção de sistemas de comercialização direta, politizando o consumo. Esta dissertação problematiza essas questões e tem como principal objetivo analisar como tem se dado a incorporação da estratégia de politização do consumo pelo MPA. O objeto de pesquisa foi um conjunto de posicionamentos, discursos e ações desenvolvidas no Raízes do Brasil, um espaço voltado para a comercialização de alimentos da agricultura camponesa, inaugurado pelo MPA na cidade do Rio de Janeiro/RJ em 2017. A principal justificativa para o desenvolvimento desta pesquisa foi somar esforços ao quadro teórico surgido após o consumption turn, ou seja, o redirecionamento do interesse da teoria social para a esfera do consumo, buscando discutir um tema relativamente pouco debatido: a atuação de movimentos sociais do campo no meio urbano e, em particular, na esfera do consumo. A estratégia metodológica baseou-se em uma abordagem qualitativa de coleta e análise de dados, com observação participante no Raízes do Brasil, entrevista semiestruturada com uma liderança do MPA e análise de conteúdo de documentos e posicionamentos oficiais do movimento. Verificamos que a incorporação do consumo político pelo MPA é um fenômeno consistente, relacionado a um projeto político de formar e fortalecer alianças, compromissos e solidariedades com os consumidores urbanos, desdobrando-se de forma complementar ao seu repertório tradicional de ação política. Contudo, há desconfortos e hesitações com as categorias “consumo” e “consumidor”, enquanto as expressões mais comumente acionadas são “povo brasileiro”, “trabalhadores urbanos” e “operários”. Isso denota a dificuldade do MPA em lidar com o consumo como categoria política e a consequente permanência de um framework centrado na produção, reforçando a assimetria entre essas duas searas.