Remédios e temperos de Ilha de Guaratiba: um diálogo entre a etnobotânica e o desenvolvimento local, na zona oeste do município do Rio de Janeiro

Abstract

Os conhecimentos tradicionais sobre os usos da flora são um legado cultural histórico da humanidade. Apesar da antiguidade e importância desses saberes, a literatura científica aponta a existência de diversos processos de perda ou erosão de conhecimentos tradicionais em relação à identificação, produção e usos de espécies vegetais por comunidades tradicionais do campo e seus descendentes que residem nas cidades, quer seja pelo desaparecimento de espécies causada pelo desmatamento ou pela perda de práticas culturais. Esta é uma pesquisa interdisciplinar, predominantemente qualitativa, realizada com etapas de campo, incluindo métodos etnobotânicos e, portanto, pertencente ao campo das etnociências. Seu tema aborda o papel que as Plantas Medicinais, Aromáticas e Condimentares (PMACs) desempenham nas estratégias de desenvolvimento local. O problema de pesquisa consiste em refletir sobre os usos potenciais dessa biodiversidade, tendo em vista alternativas para um desenvolvimento local sutentável, dos pontos de vista ambiental, social e econômico, e que favoreça as comunidades tradicionalmente estabelecidas na localidade, considerando a acelerada urbanização existente. Seu objetivo é identificar o papel que as PMACs desempenham na atualidade e potencialidades futuras, frente às estratégias de desenvolvimento da localidade de Ilha de Guaratiba, no município do Rio de Janeiro/RJ. Trabalhos dessa natureza, podem ser úteis aos avanços relacionados às cadeias de valor de PMACs, assim como podem contribuir para a geração de alternativas de conservação da biodiversidade associadas ao desenvolvimento local, com geração de renda para populações locais e com os processos de elaboração de políticas públicas de saúde. O trabalho traz um diagnóstico socioambiental que realiza uma aproximação à área de estudo e sua configuração microrregional, a fim de promover a compreensão da complexidade local, delimitar a área da pesquisa e o universo dos informantes. Além disso, o referencial teórico abordado envolve temas como o marco legal das plantas medicinais nas políticas públicas brasileiras, os conceitos de cadeia de valor e APLs, os usos das PMACs realizados pela população, a fim de embasar uma reflexão sobre as perspectivas que esses conhecimentos podem trazer à localidade. Entre os principais resultados estão 142 espécies e 58 famílias botânicas citadas; 47 espécies nativas sendo 30,28% da Mata Atlântica; as espécies mais salientes são Cymbopogon citratus (ISC 0,569) e Plectranthus barbatus (ISC 0,438); 291 grupos de indicações de uso registrados; as maiores concordâncias de uso principal obtidas foram para Cymbopogon citratus (CUPc 92,31) e Lippia alba (CUPc 84,62); os principais sistemas corporais tratados são o respiratório (31,82%), digestório (25%) e nervoso (11,36%); a principal formas de uso é o chá medicinal para uso interno e folhas como partes mais citadas para preparos. As hipóteses traçadas foram parcialmente confirmadas. A alteração cultural e a fragilização do conhecimento entre as gerações é percebida pelos colaboradores desta pesquisa, sendo as principais perdas relatadas relacionadas às espécies de difícil acesso. No entanto existe potencial para o desenvolvimento de produtos comerciais tradicionais, que interessariam à pesquisa e à elaboração de estratégias de desenvolvimento local e geração de renda para a comunidade. A educação para a manutenção desse saber tem um importante papel a cumprir.